Em Apocalipse nos Trópicos, Petra Costa retoma o tom pessoal e investigativo que a consagrou em Democracia em Vertigem, mas agora amplia seu olhar para um fenômeno ainda mais complexo: a ascensão do fundamentalismo religioso e sua simbiose com a política brasileira contemporânea. Se antes a democracia parecia cambalear, agora a diretora questiona se não estaríamos à beira de uma teocracia velada.
O documentário é estruturado em uma narrativa densa e carregada de simbolismos bíblicos, com capítulos que fazem alusão direta ao Apocalipse, criando uma atmosfera que transita entre o real e o alegórico. A diretora acompanha a expansão do movimento evangélico, traçando paralelos entre o crescimento no Brasil e sua gênese nos Estados Unidos, em especial durante a Guerra Fria, quando religião e anticomunismo se entrelaçaram de forma estratégica.
Essa origem norte-americana do evangelismo político serve como ponto de partida para entender como o Brasil importou essa lógica, e como ela foi ressignificada aqui. Com um recorte que vai da ditadura militar ao presente, Petra analisa como figuras religiosas como Silas Malafaia, acompanhadas de perto ao longo do filme, ganharam força institucional e espaço no debate público.
A relação entre Jair Bolsonaro e as lideranças evangélicas é exposta com frieza: a manipulação da fé como ferramenta de poder, a retórica messiânica, o uso de passagens bíblicas como justificativa de políticas públicas, ou da ausência delas, como no caso da pandemia.
O longa ainda passa pela vitória de Lula em 2022, os atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 e o clima de polarização persistente, sugerindo que os efeitos da evangelização da política não apenas continuam, mas se intensificam.
A crescente evangélica no Brasil, captada também por dados do IBGE, que mostram um salto de 21,6% para 26,9% da população entre 2010 e 2022, sustenta o alerta do filme: não se trata de um fenômeno passageiro, mas de uma transformação estrutural na forma como o poder é disputado e legitimado. Visualmente bem cuidado e com forte carga emocional, Apocalipse nos Trópicos é marcado por uma direção já característica de Petra – pessoal, poética e reflexiva.
Para alguns, esse estilo pode soar repetitivo, especialmente em comparação com seus trabalhos anteriores, mas há uma consistência autoral que confere unidade à sua filmografia. O uso da narração intimista, o resgate de imagens de arquivo e a montagem cuidadosa criam um documento poderoso, ainda que por vezes tenda ao didatismo.
Mais do que um retrato da fé como crença individual, o filme é uma análise do uso estratégico da religião como arma política, e Petra Costa mais uma vez, se coloca como testemunha do tempo e cronista de um Brasil que caminha perigosamente entre o sagrado e o autoritário.
por: Beatriz Lessa






Quem escreveu esse texto revela uma grande sensibilidade crítica. A análise é profunda, clara e elegante, conectando com inteligência o contexto histórico à estética da obra. Mais que uma crítica, é uma leitura sensível e poderosa, um texto que, assim como o documentário, ressoa e permanece. Parabens, ansiosa para acompanhar mais análises desse tipo. Beijos
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