Lançado no último domingo (13), JACKBOYS 2 chega como o segundo álbum da gravadora de Travis Scott, Cactus Jack, flertando com o passado dos anos 2000 e mergulhando de cabeça em um catálogo sonoro que vai do rage à estética dancehall, com colaborações ousadas e diversidade de ritmos. São 17 faixas que, embora nem sempre coesas, entregam uma experiência rica, densa e, ao mesmo tempo, leve.
Logo na faixa de abertura, temos um interlúdio de rádio que define o tom do projeto: autenticidade e estilo de vida próprio. A promessa é clara: um universo onde Travis e seus aliados ditam as regras. “CHAMPAIN & VACAY”, segunda faixa do álbum, traz adlibs (cacos de voz que aparecem ao longo da musica) do rapper Waka Flocka Flame que praticamente gritam no ouvido, lembrando o nível energético do DJ Swamp Izzo no álbum “MUSIC”, do Playboi Carti.
A música, além da agressividade sonora, entrega uma possível resposta direta ao rapper Pusha T, sobre a polêmica envolvendo Drake e Kendrick Lamar. No verso “You know how many T’s I— psh”, Travis parece usar um jogo de palavras com o verbo push, sugerindo que ele já “fumou” vários como Pusha T.
A sequência, “2000 EXCURSION”, mantém a energia lá no alto, com 808s pesadíssimos e a participação de Sheck Wes, além de referencias a outros jogadores e o clube de futebol turco Galatasaray, solta uma referência ao rei do futebol: “I score goals like Pelé, Zizou, Ginola, Galatasaray”. Uma faixa animada que já conta com clipe e funciona como um dos primeiros destaques do álbum.
Na quarta faixa, Travis se junta a 21 Savage, numa colaboração sólida, embora pouco memorável. A quinta faixa, “DUMBO”, porém, é onde o álbum atinge seu primeiro ápice: instrumental insano, flow (forma que é cantado os versos) afiado e envolvente, que dá vontade de viver isso num show, por exemplo. A letra gira em torno de ostentação e drogas, como já é marca registrada do rapper, mas a vibe é tão forte que se sobrepõe à repetição temática.
A partir da sexta música, o álbum começa a perder um pouco de fôlego. O também membro da gravadora SoFaygo aparece com a faixa “MM3”, produzida por Cardo Got Wings (produtor que esteve presente no recente álbum de Playboi Carti), mas o resultado é esquecível.
A sétima faixa, “VELOUR”, com os membros da gravadora Don Toliver e Sheck Wes, segue no mesmo tom: bom beat, mas letra genérica. Felizmente, a oitava música, “CONTEST”, tenta recuperar o ritmo com um instrumental de rage (ritmo agressivo com muitos sintetizadores), assinado por Blake$ale e prodluke. Travis mantém o tom com um flow afiado e metáforas criativas, enquanto SoFaygo volta sem comprometer, mas também sem agregar muito.
“I LOVE MY BITCH”, já conhecida do público, ocupa a nona posição e funciona quase como uma transição. É como se limpasse os ouvidos para o que está por vir. A partir daqui, o álbum se transforma em um novo capítulo: mais livre, mais aberto à experimentação.
A décima faixa, “WHERE WAS YOU”, é uma colaboração de peso entre Carti, Future e Travis, com produção de Filthy. O beat rápido, somado a uma voz feminina de fundo que assombra o instrumental, cria uma atmosfera única. Travis domina com versos afiados, Carti segura bem o refrão e Future cumpre seu papel com um verso funcional.
Na faixa 11, “NO COMMENTS”, os sintetizadores dão o tom retrô, evocando uma estética que remete diretamente ao início dos anos 2000. Aqui, Don Toliver reflete sobre ignorar comentários negativos, algo que dialoga com a própria opinião do público e da crítica especializada, que vem dando notas baixas para este álbum.
A décima segunda música, “BEEP BEEP”, traz uma colaboração com SahBabii. Destaque para o momento em que Travis bate correntes no microfone, ritmando com o beat. Ainda nessa faixa, há falas do lendário rapper Bun B, que contextualiza os ritmos da Jamaica, como rap, R&B, dance music e reggae, conteúdo que ressoa diretamente com o que vem a seguir.
A décima terceira faixa, “PBT”, junta os artistas africanos Tyla e Vybz Kartel, e como esperado, o dancehall toma conta. Kartel rouba a cena com seu sotaque carregado e flow perfeito para o estilo jamaicano.
Em seguida, temos uma parceria com a rapper GloRilla. Seus versos têm bons momentos, embora a música “SHYNE” em si oscile. O instrumental salva o conjunto. Na décima quinta faixa, “OUTSIDE”, é a vez de NBA YoungBoy, um conhecido artista que representa as ruas dos EUA, trazer um som mais agressivo, com direito a moshpit (roda punk) no início e uso criativo de moduladores vocais nos versos de Travis na ponte para o refrão.
Já a faixa 16, “CAN’T STOP”, com Wallie The Sensei, passa despercebida. Nada memorável. Por fim, o álbum encerra com a colaboração de Kodak Black. Em “FLORIDA FLOW”, a mudança de ritmo é bem-vinda: mais lenta, com instrumentação inspirada nos anos 2000 e, novamente, trazendo falas de Bun B para reforçar essa ligação com o passado, não de forma caricata, mas sutil e natural.
No fim das contas, JACKBOYS 2 é um projeto ambicioso e consistente. As referências aos anos 2000 são discretas, nunca forçadas, criando uma obra que tem cara de nostalgia sem parecer d tada. O álbum atinge seu auge na faixa 5, suaviza até a faixa 9 e recomeça com outra vibe, abrindo espaço para ritmos e artistas que fogem do radar tradicional da gravadora. Vira quase um catálogo de feats inusitados.
As falas usadas como introdução em algumas músicas trazem um aspecto humano e até didático, no sentido de: “Estamos aprendendo ainda a fazer rap, mesmo com os milhões e o sucesso inquestionável. É hora de voltar às origens, ouvir as vozes da experiência de pessoas que vieram antes da gente.”
Apesar de algumas faixas esquecíveis, a produção é impecável. Uma verdadeira aula para quem acompanha e curte trap. Travis Scott continua explorando novas formas dentro de sua zona de conforto, e aqui, nos convida a fazer parte desse universo mutante. Resta saber se essa tendência de resgatar o espírito dos anos 2000 vai continuar ou se foi apenas uma visita guiada.
por Rodrigo Falchioni





