Tyler, The Creator não pediu muito. Só que a gente dançasse. Sem pensar no ângulo do celular, no olhar alheio ou no possível meme viral no dia seguinte. Pediu que a gente deixasse a bagagem na porta, calasse os julgamentos e deixasse o corpo falar por si. Don’t Tap The Glass, seu nono álbum de estúdio, é isso: uma placa de aviso invertida. Em vez de não perturbe, ele diz incomode-se, mas dance assim mesmo.
“Big Poe” abre a porta com força: é sample, é caos, é ego com glitter. É Tyler empurrando a gente para o meio da pista e dizendo: “Vai. Se você não for agora, nunca mais vai”. E é curioso como ele consegue soar provocador e generoso ao mesmo tempo. “Sugar On My Tongue” gira como um globo de espelhos em câmera lenta, enquanto “Sucka Free” parece saída diretamente de um filme antigo gravado em fita VHS na Califórnia, mas com a nitidez digital de um mundo onde tudo virou HD e ansiedade.
Já “Ring Ring Ring” aparece como um respiro pop dentro do caos, com refrão chiclete e brilho próprio, sem quebrar a coesão do disco. As batidas não estão ali para agradar, estão para libertar. Ou, no mínimo, para lembrar que o corpo sente antes da mente processar.
A leveza como escolha radical
Tyler está em um ponto da carreira em que pode fazer o que quiser e sabe disso. O mais curioso é que, quando ele escolhe não dizer tanto, diz tudo. Don’t Tap The Glass é propositalmente menos conceitual, menos denso, menos Tyler o arquiteto de mundos. Em vez disso, temos Tyler, o DJ das emoções soltas. Ele nos convida para uma pista de dança imaginária onde cada batida diz: “Você ainda está vivo, lembra?”.
O álbum todo soa como um convite à presença. Não há grandes discursos, e justamente por isso há verdade. O clima é de festa interna, de quem celebra o simples fato de continuar aqui. Entre synths coloridos e vocais distorcidos, Tyler reafirma que fazer música boa não precisa ser um ato pesado. Pode ser só prazer. E ainda assim, ou talvez por isso, profundamente político.
O paradoxo da superficialidade honesta
Mas claro, como todo bom cronista disfarçado de rapper, ele escorrega ironias e reflexões entre um drop e outro. “Stop Playing With Me” é mais do que ego inflado, é aviso. É como se Tyler usasse o próprio carisma como escudo e espada: cativa, mas fere quem duvida. Já em “I’ll Take Care Of You”, a melancolia se arrasta em beat quebrado, como um coração cansado tentando manter o ritmo de uma festa que já passou do ponto.
O mais belo nesse álbum é que ele não precisa se justificar. Nem se compara com CHROMAKOPIA, nem tenta repetir IGOR. Ele apenas é. E nessa liberdade criativa, surge uma obra que parece menor apenas à primeira vista. Porque Tyler sabe que a maior revolução agora não é conceitual. É corporal. Ele propõe algo radical para tempos de vigilância constante: o prazer sem culpa. Dançar sem pauta, sem roteiro, sem feed. Apenas porque o som bateu.
No fim, Don’t Tap The Glass é como aquelas tardes em que você decide não sair, mas bota uma música alta só para limpar a casa e acaba dançando com a vassoura, chorando no refrão, rindo de si mesmo. É o tipo de álbum que começa como trilha de fundo e termina como espelho. Tyler nos lembra que dançar, nesse mundo que exige posturas o tempo todo, talvez seja o último gesto subversivo que nos resta. E quer saber? Eu deixei tocar de novo.
por Vitor Feitoza


