Existem espaços que não se constroem apenas com som, luz e público. Eles se constroem com afeto, desejo de pertencimento e estética como linguagem. Esse é o caso da Rebu digital, coletivo que, desde 2020, vem moldando, a partir do zero, um ecossistema cultural com cara de comunidade e cheiro de subversão.
Surgida no calor da pandemia a partir de um chamado do stylist e artista visual Nathan, a Rebu nasceu como base de apoio para artistas experimentarem audiovisual, moda, performance e identidade em processo. Tive a oportunidade de entrevistar também o Lucas e a Sina. Lucas explicou desde a criação da Rebu até os momentos atuais, enquanto Sina complementou relembrando o início e contando as dificuldades de organizar um evento de tal magnitude.
Estive presente na Lovecore 5, realizada no dia 12 de julho no Teatro Mars, no centro de São Paulo, e vivi uma experiência sensorial intensa, marcada por uma estética que funde o jovem digital à arte como forma de expressão. A noite contou com uma line-up diversa e pulsante, que incluiu Barbie Kills, Agazero, MAJA, Carlos do Complexo, Djbielonline, Ultrababi e, pela primeira vez no Brasil, as argentinas da EQ Connection.
Inicialmente, a Rebu não era uma festa, mas sim um núcleo de produção visual. A virada aconteceu em 2023, quando a ideia de organizar um brechó com estética Y2K deu origem à primeira edição da Lovecore que logo se transformaria no ponto de convergência de tudo em que o coletivo acreditava: som, moda, arte e afeto no mesmo tempo-espaço. “Tínhamos amigos fazendo som que não tocavam em lugar nenhum, então pensamos; ‘por que não colocá-los pra tocar?’”, conta Nathan.
O nome Lovecore surgiu espontaneamente da artista Milena, que descreveu o grupo como “uma energia de romantismo digitalizado e hiperestético”. Desde então, cada edição da festa é tratada como um ritual coletivo. Tudo — line-up, visual, ambientação, figurinos e instalações — colabora para criar um portal efêmero. O som vai do hyperpop ao drum’n’bass, passando por glitch, house, noise e rap experimental.
“Acho que a Rebu virou meio que pioneira nesse sentido, não de criar os estilos, mas de conectar tudo: som, moda, visual 3D, Y2K, estética digital. Uma teia que virou linguagem própria”, completa Nathan.
Nas pistas da Lovecore, ninguém está apenas dançando. Está encarnando uma persona, encenando uma narrativa, vivendo uma estética. As pessoas chegam maquiadas, montadas, com roupas que cruzam nostalgia dos anos 2000, moda clubber e referências digitais. Instalações visuais, projeções experimentais e até brechós pendurados em cabides pretos ajudam a transformar o espaço em um organismo vivo, mutável. Cada festa é mais que uma festa. É um grito visual, sonoro e político de uma geração que deseja mais.
“Na Lovecore, a pista vira palco onde cada movimento é uma declaração. Não é só sobre estar lá, é sobre se expressar, desafiar normas e criar um espaço onde arte, identidade e resistência se entrelaçam em cada batida. Ali, a moda e a música não são só estética — são ferramentas de empoderamento e transformação”, diz Lucas.
Mesmo com o crescimento da Rebu e a presença de artistas internacionais como Meat Computer (Canadá) e EQ Connection (Argentina), a festa preserva seu espírito de guerrilha afetiva.
“A Rebu não é um trampo pra gente. É só a gente fazendo o que a gente gosta mesmo. É a gente se colocando num espaço onde muitas pessoas nunca tiveram a chance de estar. E a gente criou esse espaço por necessidade”, explica Sina.
Ela também reforça que a curadoria é coletiva: todo mundo opina, cada escolha estética ou artística é decidida em conjunto. O trabalho de cada integrante é levado a sério, e mesmo com as diferenças, o grupo — hoje com oito pessoas — sempre chega a um consenso. Mais do que um coletivo ou uma festa, a Rebu é uma utopia construída a muitas mãos. Um lugar onde se pode errar junto, acertar junto e sonhar em público.
“Queremos expandir para além da Lovecore: fazer documentários, podcasts, lives. Dar rosto e voz pra quem constrói essa cena. Porque a Rebu também é memória — é a tentativa de documentar o agora”, conclui Nathan.
Em tempos de cenas voláteis e relações descartáveis, a Rebu oferece um abraço raro, feito de glitch, amor, identidade e possibilidade na cidade fria de São Paulo.
por Rodrigo Falchioni




