[Cabine da Pipoca] Marco Dutra: A nova cara do cinema brasileiro

Temos cinema feito por mãos jovens, com família e mulheres inspiradoras e um quê de thriller fantástico 

 Isso tudo é o cineasta brasileiro Marco Dutra. E aí, preparados? 
Foto de: Caetano Gotardo

Marco Dutra é roteirista, cineasta e paulistano. Provavelmente você já viram ou conhecem alguma das obras dele, já que ele escreve a série “Alice” (2008), de Karin Aïnouz e Sérgio Machado, exibida pela HBO no Brasil.

Formado em cinema pela ECA [Escola de Comunicação e Artes] na USP, e desde então trabalha com a diretora Juliana Rojas.  Aliás, foi ao lado dela que fez o curta metragem “O lençol branco” ( 2004) selecionado, simplesmente, para a mostra Cinéfondation do Festival de Cannes,  especialmente voltada a filmes de escola.

Em 2011, Dutra começa a produzir seu primeiro longa metragem “Trabalhar Cansa”, premiado no Festival de Paulínea em 2011 (Prêmio Especial).

Atualmente, com o roteiro escrito junto com Gabriela Amaral Almeida, o cineasta trabalha na finalização de seu mais recente longa, “Quando eu era vivo“, ainda em finalização.

Abaixo segue a entrevista que Dutra concedeu ao O Barquinho Cultural, onde ele contou sobre sua carreira, projetos, inspirações, entre outras coisas mais que os cinéfilos de plantão têm que conferir.

Pessoas e Artistas Você já esteve ao lado de artistas conhecidos e reconhecidos em festivais e premiações, penso eu,  BC :  como sente que os festivais e seus organizadores observam o cinema brasileiro, poderia citar uma conversa que tenha lhe marcado com algum autor, artista sobre esta temática?

Dutra: Os festivais, tanto brasileiros quanto os internacionais, refletem na seleção de filmes a linha da curadoria e o gosto pessoal dos curadores. O número de bons festivais brasileiros é grande (como a Janela de Cinema do Recife, a Mostra de Tiradentes, a Jornada de Cinema Silencioso…). Os festivais internacionais (como Cannes, Locarno, Sundance) têm prestado atenção aos nossos filmes e costumam contar com curtas interessantes na seleção quase sempre, assim como um ou outro longa que acaba ganhando destaque em mostras ao redor do mundo. Sinto que há ainda muito espaço a conquistar fora do país, inclusive comercialmente, mas muitos curadores e distribuidores estão dispostos a ver nosso trabalho.

Uma viradaMesmo vendo que seus filmes possuem este ar thriller, a questão da família e das relações pessoais, o fantástico, de alguma forma me remete a um Ariano Suassuna, ou uma base literária mais épica como a de Guimarães Rosa em ” Grande Sertão Veredas”.

BC: Você gostaria de adaptar algo épico desta forma, incluiria este tom de humor em seus roteiros, ou está totalmente fora de seus planos?

Dutra: Sim. Tenho a impressão de que nossa literatura foi bem mais longe que nosso cinema em suas estratégias de criação de mundo mágico, em sua mitologia, no fantástico em geral. Não penso em adaptar um romance deste calibre por ora, mas talvez no futuro eu me jogue num desafio assim. Acabo de trabalhar na adaptação de um livro do Lourenço Mutarelli; foi um trabalho muito bom, feito em parceria com Gabriela Amaral Almeida.

Família – Em ambos os filmes, as mulheres, a dona de casa que rompe seu papel, e a mãe que assombra o filho são personas de peso, que criem a ‘angústia’ das cenas, BC: se tivesse que associá-las a algum tipo de arquétipo, quem elas seriam?

Dutra: A figura da mãe aparece em diversos trabalhos meus como uma presença absoluta, poderosa para o bem ou para o mal. Tenho uma relação muito boa com a minha família, mas algo me impulsiona a escrever sobre ambientes íntimos e domésticos como se estes fossem palco para encenações de lutas simbólicas entre bem e mal, sagrado e profano.

BC: A música e a sonoplastia de Dutra – Você citou numa entrevista que em “Quando eu era vivo”, a música é do universo da casa, a sonoplastia é marcante em seus filmes. Uma casa thriller ideal teria qual trilha sonora?

Dutra: A música pode atrapalhar um filme, por isso sempre tive receio em usar trilhas muito presentes. Estou trabalhando uma trilha completa para o filme novo, e aprendendo muito no processo. Tento fazer com que a música brote dos personagens e da ação dramática. É como se ela fosse o som da respiração deles. Tendo a preferir (inclusive como compositor) melodias bem desenhadas, e não “música de clima”.

BC:  Comente um pouco sobre seu gosto musical e como ele lhe inspira? Vi de Caetano, passando por Tom Zé, e Barbra Streisand, o que você anda ouvindo?

Dutra: Ouço de tudo, tudo mesmo! Toco piano e componho um pouco, o que me ajuda ao longo dos processos de criação em geral. Mas tenho, é claro, certas obsessões: Stephen Sondheim e trilhas de filmes da Disney (em especial as compostas pelos irmãos Sherman) estão sempre tocando por aqui. Tom Zé, Dolores Duran e Marlene também. E talvez minha cantora preferida seja Fiona Apple.

InspiraçõesBC: Stephen King, um ator do porte de Marat Descartes sempre presente e Juliana Rojas, como eles aguçam seus roteiro e a inspiração em sua trajetória cinematográfica?

Dutra: As parcerias são parte muito importante do meu processo criativo, e isso inclui os 15 anos de trabalho em dupla com a Juliana – estamos sempre metidos nos filmes um do outro. Cito também Caetano Gotardo, Daniel Turini, Sérgio Silva e João Marcos de Almeida entre os parceiros de vida e trabalho. O Marat, a Helena Albergaria, a Gilda Nomacce e a Clarissa Kiste estão entre atores com quem sempre trabalhamos e com quem pretendemos voltar a trabalhar. Stephen King mora na minha cabeceira desde que tenho doze anos de idade. O primeiro que li foi Misery (Angústia, no Brasil). O último foi Joyland. O universo de King é infinito e ele transita por cada beco com um prazer que não se esgota e que contamina a leitura. Me sinto apaixonado por ele, de certa forma. Há amor envolvido no gesto de ler um livro dele. E sua escrita só melhora com os anos.

Trajetória – BC: Até a adaptação do literário “A Arte de Produzir Efeito sem Causa”, de Lutarelli, para seu roteiro cinematográfico foram cinco anos após a leitura. Como foi esse período de “assimilação”, digamos assim ?  E depois um até curto tempo para a escrita do roteiro. Percebe-se um certo respeito seu, não só pelo seu ritmo como pelo da obra em si, é isso mesmo?

Dutra: Eu li o livro enquanto pesquisava para outro projeto, em 2008. Mas o convite para dirigir a adaptação veio do produtor Rodrigo Teixeira em 2011. O tempo de espera foi providencial, e também natural. Foi bom ter feito esse filme depois do “Trabalhar Cansa”.


Estilo –  BC:  Horror psicológico ou “Horror fantasy”, comparado até ao “O Iluminado” (década de 80), este parece ser o estilo que você imprimiu em seus dois últimos filmes, o que lhe atrai nesta estética? Sua leitura de Stephen King, convive com roteiros que de alguma forma falam da família. De comportamentos familiares, sejam de rompimento e mudança em “Trabalhar Cansa” ou de ‘ claustrofobia’ em ” Quando eu era vivo”. Você quer este rótulo ou não é rótulo…para seus filmes, horror psicológico, este tema familiar ainda terá desdobramentos em outros filmes ou roteiros que possamos esperar? Ou vem alguma, não programada, mas talvez uma virada de estética sua? Você pensa nisso?

Dutra: Eu gosto muito de diversos gêneros, em especial o horror e o musical. Pretendo seguir trabalhando dentro deles, e não me incomoda nem um pouco que os filmes sejam classificados, catalogados, separados em gêneros ou prateleiras. Eu mesmo sempre convivi com isso na época áurea da video locadora. O que me incomoda é que um filme tido como difícil de classificar seja considerado menor ou ruim por conta dessa
dificuldade. Acredito que uma mistura de gêneros é possível, e pode também ser comercial. E acredito que não dá pra remover o humor, qualquer que seja o gênero do trabalho. Como levar as coisas a sério demais? “As Boas Maneiras”, um dos meus próximos filmes com Juliana, retoma diversos dos nossos temas anteriores.

CenárioBC: Há um certo ar ‘ barroco’, é a iluminação ou a falta dela na casa, são anjos, bustos e rostos, um colorido do quarto da inquilina mas em ‘ retalhos’, como essa estrutura da casa foi ganhando vida no seu roteiro?? É isso mesmo, um barroco? (aqui me refiro somente, claro, a ” Quando eu era Vivo”) .

Dutra: Como o filme ainda está em finalização, me limito a dizer que a casa do filme passa por algumas grandes transformações – assim como o protagonista.
O que eu vi e humildemente comento e pergunto – Assisti Carnage, (O Deus da Carnificina) de Polanski, e é sobre relações entre casais, filhos, raiva, e há a claustrofobia, que chega a ser cômica no ‘surto’ durante as discussões dos casais, você gostou deste filme, não há thriller exatamente, mas angústia e
um ritmo entre altos e baixos.

BC: Além de ser uma adaptação, desta vez de uma peça, o que você acredita que o público, de modo geral, reflete ou que eles assimilam de todos estes ‘ sentimentos e detalhes’ que um diretor, como você por exemplo, ou Polanski, tentam imprimir em suas obras? 

Dutra: Eu li a peça Carnage porque admiro o trabalho da dramaturga Yasmina Reza. Li há anos, antes de ver o filme. Gosto muito do texto, mas acredito que é um texto muito complicado de encenar e que a versão do Polanski é certamente muito boa e acertada. Ainda assim, me parece algo pensado para o palco, e que talvez encontre sua potência máxima lá. Ressalvas pontuais feitas, me divirto imensamente com o filme. E acredito que “Deus está nos detalhes”. Tudo conta. Um diretor como Polanski, por exemplo, sabe disso, e inunda o filme, os atores, o cenário, de pequenos comentários, gestos, objetos, cores, mudanças de luz. Quando assistimos a um filme não paramos para pensar em cada detalhe. Mas eles estão lá, e narram, e essa sensação de riqueza narrativa é compreendida pelo nosso corpo em muitos níveis.

Por Fabíola Mello

[Cabine da Pipoca] Cinema na Flip 2013

Sabemos que hoje não é dia de cinema no O Barquinho Cultural e muito menos é sexta-feira, mas por forças maiores, não deu para subir a coluna da Cabina da Pipoca na semana passada e como não queremos deixar nossa tripulação na mão, por não deixá-los informados sobre o mundo cultural, nós resolvemos subir não um, mas dois textos de cinema para vocês e além é claro, do desta semana, que será especial rock and roll aqui no OBC.

Mas vamos ao que interessa e subir os atrasados, que é claro que iremos falar sobre a Flip 2013, que aconteceu semana passada do dia 3 a 7 de julho, na cidade de Paraty, Rio de Janeiro e a como se sabe, o cinema é uma arte literária e com isso, teve a participação do cineasta Nelson Pereira dos Santos, que marcou presença na última mesa no evento, da sexta-feira (5), o diretor de “Vidas secas” e “Memórias do cárcere” , ambos baseados em obras de Graciliano Ramos, contou histórias dos bastidores das filmagens. Na maior parte do tempo, os episódios eram inicialmente citados pelo mediador, Claudiney Ferreira, que então incentivava Nelson Pereira a detalhá-los.
O debate do cineasta teve exibições de trechos de longa, como o caso da morte da cachorra Baleia em “Vidas secas”. Ali, vieram alguns dos principais momentos da mesa. Nelson Pereira recordou-se do sucesso que o bicho fez no Festival de Cannes em 1964 e de uma acusação de ter assassinado de verdade a “intérprete” da personagem.
“Uma condessa italiana ficou furiosa com o filme, disse que só povo subdesenvolvido, para fazer o filme, mata o animal”, comentou. “Aí, a Air France [companhia aérea] ofereceu uma passagem para a Baleia ir para Cannes. Essa história estourou.” Segundo ele, a tal defensora dos animais seguiu cética, argumentando que, na verdade, a produção encontrou uma nova cachorra apenas para exibir aos desconfiados – “porque vira lata é tudo igual”.
O cineasta detalhou que pretendi, em princípio, trabalhar “cientificamente” com a cachorra para dirigi-la, usando um “método pavloviano, de reflexo condicionado”. Na prática, confessou Nelson Pereira, a ideia era deixá-la sem comer e, apenas na hora das filmagens, distribuir porções de refeição estrategicamente pelo set, conforme a necessidade de movimentá-la pelo espaço.
De acordo com ele, contudo, o plano fracassou. Quem sabotou foi um próprio integrante da equipe, descoberto após alguns dias. Era o próprio ator protagonista, Jofre Soares, responsável pelo papel de Fabiano e por dividir clandestinamente o almoço com Baleia. “O Jofre não comia junto com a equipe, saía andando e ia derrubando pedaço de carne para ela comer. Eu falei: ‘Já que você deu de comer, você vai dirigir a baleia!’.”
Nelson Pereira afirmou que cogitou a possibilidade de, na versão para a tela, dar um novo final à personagem Madalena. No livro, ela se mata. Ao receber uma carta dando conta da proposta de alteração, o próprio Graciliano respondeu que aceitava, mas desde que ficasse desligado da produção.
“A resposta do Graciliano foi: ‘Tudo bem, podem fazer, mas tira o meu nome dessa porcaria’”, apontou. O escritor teria recorrido ao óbvio: o suicídio de Madalena é a razão pela qual o Paulo Honório, o narrador, “escreve o livro”. Sem morte, não haveria romance – nem filme –, portanto. Nelson Pereira, por seu lado, justificou o ponto de vista: “Fiquei apaixonado pela Madalena”. Daí a opção, longo abandonada, por tentar mantê-la vida.
Por fim, o mediador instigou Nelson Pereira a explicar por que não adaptou um terceiro livro de Graciliano, “São Bernardo”. O cineasta contou que foi o próprio autor quem o “impediu” de levar adiante o projeto, quando a ideia do roteiro estava pronta.
Assista abaixo um trecho do filme Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos:


Isso ai tripulação, aguardem pois ainda terá mais textos da Flip 2013, na coluna do Cantinho Literário.
Por Priscila Visconti